Revista Agrária Acadêmica
doi: 10.32406/v8n1/2025/39-49/agrariacad
Caracterização da ovinocaprinocultura na região do médio São Francisco – Bahia. Characterization of small ruminant production in the region of middle São Francisco – Bahia.
Mainard Bastos da Silva¹, Brandon França Aires Nascimento2, Artur Azevedo Menezes3, Janaína de Lima Silva
4, Caio Victor Damasceno Carvalho
5
1- Médico Veterinário – Centro Multidisciplinar Campus Barra, Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Barra, BA.
2- Discente – Centro Multidisciplinar Campus Barra, Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Barra, BA.
3- Doutorando – Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA.
4- Docente – Centro Multidisciplinar Campus Barra, Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Barra, BA.
5- Docente – Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. E-mail: caio.victor@ufba.br
Resumo
Objetivou-se caracterizar o perfil das propriedades rurais que se dedicam a ovinocaprinocultura na região do Médio São Francisco. Verificaram-se o perfil socioeconômico dos produtores, características do rebanho e práticas de manejo. Os dados foram coletados com a aplicação de questionários. A pesquisa foi realizada entre fevereiro de 2020 e novembro de 2023, nos municípios de Barra, Xique-xique e Buritirama, com informações de 46 propriedades. Observou-se que 58,7% dos ovino-caprinocultores estavam na atividade a mais de 10 anos, 60,9% não completaram os estudos, 67,4% não tinham a ovinocaprinocultura como principal atividade, 82,2% das propriedades foram classificadas como pequenas, onde 93,3% tinham como finalidade a produção de carne.
Palavras-chave: Semiárido. Caprinos. Sistema de criação. Ovinos. Perfil socioeconômico.
Abstract
The aim was to characterize the profile of rural properties dedicated to sheep and goat farming in the Medio São Francisco region. The socioeconomic profile of producers, herd characteristics and management practices were verified. Data were collected using questionnaires. The research was carried out between February 2020 and November 2023, in the municipalities of Barra, Xique-xique and Buritirama, with information from 46 properties. It was observed that 58.7% of sheep and goat farmers had been working for more than 10 years, 60.9% did not complete their studies, 67.4% did not have sheep and goat farming as their main activity, 82.2% of properties were classified as small, where 93.3% were intended for meat production.
Keywords: Semi-arid. Goats. Breeding system. Sheep. Socioeconomic profile.
Introdução
A ovinocaprinocultura está presente em todas as regiões do Brasil, mas no Nordeste apresenta importância socioeconômica, uma vez que contribui para a geração de renda de pequenos produtores rurais da região semiárida. A criação adequada de ovinos e caprinos representa uma excelente alternativa para oferta de proteína de alto valor biológico, especialmente para as populações rurais de baixa renda (ALVES et al., 2017). Configurando-se como uma atividade econômica para a região, a partir do seu potencial em gerar emprego nas diversas fases da cadeia produtiva.
A difusão dos pequenos ruminantes no Nordeste brasileiro deve-se, em grande parte, ao processo de seleção natural pelo qual estes animais vêm passando ao longo de séculos após a sua chegada no país, ainda no período colonial. Devido à adaptabilidade destas espécies à Caatinga, vegetação predominantes na região, a criação dos pequenos ruminantes tornou-se uma alternativa adequada para a melhoria da qualidade de vida dos produtores da região, tal fato é comprovado pelo expressivo número de animais mantidos no Nordeste, sendo a região detentora do maior rebanho de ovinos e caprinos do Brasil (BATISTA; SOUZA, 2015; IBGE, 2017).
Diante da importância desta atividade para a economia regional, e para incrementar a geração de divisas para o país, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) criou a Política Nacional de Incentivo à ovinocaprinocultura, por meio da Lei 13.854, publicada no Diário Oficial da União, em 09 de julho de 2019. O MAPA instituiu a política com objetivo de estimular a produção em todo território nacional, fomentando o aumento do rebanho de ovinos e caprinos. O plano visa ainda, padronizar os processos da cadeia produtiva para garantir a regularidade no fornecimento dos produtos, aumentar a eficiência na produtividade e melhorar a qualidade dos produtos, proporcionando segurança alimentar, regularização do abate e do comércio.
Diante desta nova demanda, conhecer os sistemas de produção desenvolvidos em regiões produtoras será um aspecto norteador para a tomada de decisões e o planejamento de políticas públicas que possibilite aos produtores melhorarem suas práticas de criação (CLEMENTINO et al., 2015). Portanto, segundo Bezerra et al. (2013) e Veschi et al. (2016), a caracterização das propriedades rurais, dos sistemas de produção, dos proprietários e do manejo do rebanho é de extrema importância para subsidiar a adaptação de tecnologias existentes, a geração e transferência de tecnologias compatíveis com a realidades dos produtores, para que possibilite o fortalecimento da ovinocaprinocultura.
Sendo assim, objetivou-se com o presente estudo caracterizar a ovinocaprinocultura da microrregião do Médio São Francisco na Bahia, buscando informações relacionadas à infraestrutura das propriedades, perfil socioeconômico do produtor e o manejo adotado nas propriedades.
Materiais e métodos
O estudo foi realizado entre os meses de fevereiro de 2020 e novembro de 2023, nos municípios de Barra (11°05’11”S, 43°08’83”O), Xique-xique (9°31’34”S, 43°36’15”O) e Buritirama (10°42’55”S, 43°38’21”), localizados na região Oeste da Bahia, vale do Rio São Francisco. Inicialmente foram selecionadas 14 comunidades rurais do município de Barra, duas comunidades em Xique-xique e quatro comunidades do município de Buritirama, totalizando 20 localidades visitadas. O critério de escolha das propriedades foi realizado de forma aleatória, sendo utilizado o critério de contato com os produtores rurais, com as associações comunitárias, os profissionais que atuam na região e a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB). Ao fim das entrevistas, foram totalizados 46 questionários aplicados, no entanto nem todos os produtores responderam ao total de perguntas que constavam.
Após a identificação das comunidades rurais a serem estudadas, ocorreu a busca das informações, por meio de visitas à campo nas propriedades que se dedicavam a criação de pequenos ruminantes. Os dados informados pelos entrevistados foram coletados por meio da aplicação de questionário padronizado, composto por 58 perguntas de caráter, predominantemente, qualitativo. O questionário tinha por objetivo determinar o perfil socioeconômico do produtor ou responsável pelo controle da unidade de produção; dados gerais sobre a estrutura da propriedade; identificação das espécies e raças criadas, comercialização dos animais e subprodutos; assim como apoio técnico e manejo sanitário do rebanho.
O questionário aplicado buscava as seguintes informações: tempo de trabalho com a ovinocaprinocultura; grau de escolaridade do proprietário ou individuo responsável pelo manejo; se exercia outra atividade laboral concomitante; tipo de mão de obra (familiar ou patronal); área total da propriedade em (ha); finalidade da criação (corte ou leite); tipo de sistema (extensivo, semi-intensivo ou intensivo); raças e/ou ecótipos predominantes; tipo de comercialização e se dispunha de assistência técnica. Destaca-se que os questionários foram aplicados pela mesma equipe, para que não houvesse interferências nas interpretações das respostas.
Não foram utilizadas todas as respostas obtidas na aplicação dos questionários, mas estas foram usadas para o embasamento da discussão acerca da realidade da criação de pequenos ruminantes na região estudada. As informações coletadas com a aplicação dos questionários de campo, foram posteriormente tabuladas em planilha eletrônica, com o auxílio do software Microsoft Excel 365®, para subsequente análise descritiva dos resultados.
Resultados e discussão
Do total de 46 criadores que responderam aos questionários, 27 afirmaram atuar na atividade por mais de 10 anos (44,8%), oito entre 5 e 10 anos (24,1%), e 11 produtores afirmaram estar na atividade por até 5 anos (27,6%). Quanto ao engajamento na atividade, 31 produtores (67,4%) declararam possuir outra atividade com fins lucrativos, sendo a criação de caprinos e ovinos uma atividade econômica secundária, servindo como uma fonte de complementação da renda familiar (Tabela 1).
No que tange ao tempo de atuação na atividade, percebe-se com os resultados encontrados um caráter de tradição familiar na criação destes animais na região. Durante a aplicação dos questionários, foram vários os relatos que a permanência na atividade, devia-se a manutenção de uma memória trazida com seus ascendentes, onde a criação de pequenos ruminantes era uma atividade que proporcionava a complementação da alimentação da família, por meio da obtenção da carne, e em alguns casos, do leite das cabras.
Foi notória a percepção da desarticulação da cadeia produtiva da ovinocaprinocultura na região diante dos relatos obtidos. A maioria dos produtores não alcançam renda suficiente na atividade para a manutenção das necessidades da família, sendo assim possuem outras atividades para proporcionarem a complementação da renda familiar, como verificado que 67,4% possuem outra ocupação. Entre as atividades exercidas destacam-se, nas respostas dos produtores, a execução de atividades de campo em outras fazendas, na forma de diaristas, atuação no comércio local e a criação de bovinos.
Tabela 1 – Perfil dos ovino-caprinocultores da região do Médio São Francisco, quanto ao tempo de desenvolvimento da atividade, outra ocupação laboral e o grau de escolaridade.
Variável |
Respostas |
Frequência
|
Frequência
|
Tempo na ovinocaprinocultura |
>10 anos5-10 anosAté 5 anos |
27811 |
58,7%17,4%23,9% |
Outra ocupação laboral |
Sim
|
3115 |
67,4%32,6% |
Grau de escolaridade |
Não alfabetizadoFundamental: incompletoFundamental: completo
|
61552774 |
13%32,6%10,9%4,3%15,2%15,2%8,7% |
O nível de instrução formal, avaliado por meio da escolaridade dos produtores e/ou manejadores, possui uma associação positiva com a adoção de tecnologias e ações de manejo que visem proporcionar melhorias no desempenho do rebanho. Haja vista que o menor acesso à informação, leva a maior resistência na adoção de medidas básicas de manejo, como por exemplo no descrédito na utilização das vacinas, e no manejo racional da vegetação nativa da Caatinga, utilizada para o pastejo do rebanho, contribuindo para a degradação da mesma.
Quanto a escolaridade dos produtores entrevistados, 14 possuíam ensino médio e/ou profissionalizante completo (30,4%), apenas quatro (8,7%) possuíam formação em curso de nível superior e 28 (60,9%) não concluíram os estudos. No trabalho desenvolvido por Farias et al. (2014) no semiárido cearense, verificaram que 75,8% das ovino-caprinocultores eram alfabetizados, enfatizando a importância do processo de alfabetização para o correto desenvolvimento da atividade.
O acesso à educação no meio rural e à alfabetização dos produtores do semiárido nordestino facilitaria a adoção de novas tecnologias e proporcionaria melhorias nas atividades agropecuárias, pois agora a força de trabalho teria acesso a informações e entenderia a importância de medidas simples de gestão, como a escrituração zootécnica por exemplo, mas que afetam muito o desempenho dos rebanhos, proporcionando melhorias na produtividade.
Na região do Médio São Francisco, predomina a vegetação de Caatinga, sendo esta a principal fonte de alimentação para os animais ao longo do ano. As propriedades, em quase sua totalidade, possuem áreas de vegetação nativa pouco exploradas, sendo utilizadas de maneira extrativista e sem manejo, soma-se a estas características o fato de algumas propriedades possuírem áreas extensas, e a falta de acesso ao crédito por parte dos produtores. De acordo com o INCRA (2023) propriedades da região do Médio São Francisco com até 260 hectares (ha) são classificadas como pequenas. Logo, apenas oito propriedades possuíam mais de 260 ha (Tabela 2), excedendo o limite máximo para caracterizá-las como pequenas propriedades, ficando estas classificadas como média/grande propriedades.
Esse resultado é corroborado por Farias et al. (2014), Diniz et al. (2014), Veschi et al. (2016), Helmer et al. (2020) e Souza et al. (2023) que encontraram a predominância de pequenas propriedades desenvolvendo a ovinocaprinocultura nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Somado a esta característica das pequenas áreas destinadas à criação destes animais na região, tem-se a figura do sistema de criação praticado pelas comunidades tradicionais, a exemplo do sistema de fundo de pasto em algumas das comunidades visitadas. Estas comunidades foram fundadas a partir de vilas de trabalhadores rurais das grandes propriedades dedicadas à criação de gado, e para estes trabalhadores eram destinadas pequenas áreas para a moradia e a manutenção de pequenas criações. Como relatado por Bispo et al. (2020), este sistema caracteriza-se pela criação de animais sem a presença de cercas, exercendo o pastejo direto na vegetação nativa.
Tabela 2 – Caracterização das propriedades dedicadas a ovinocaprinocultura na região do Médio São Francisco.
Variável |
Resposta |
Frequência
|
Frequência
|
Área total da propriedade |
< 50 ha*51 a 100 ha*> 100 ha*> 260 ha |
32148 |
71,1%2,2%8,9%17,8% |
Sistema de criação |
Semi-intensivoExtensivo |
3015 |
66,7%33,3% |
Finalidade da produção napropriedade |
Carne e leiteCarne |
342 |
6,7%93,3% |
Reserva estratégica de alimentos |
SimNão |
3313 |
71,7%28,3% |
Espécie/propriedades |
OvinoCaprinoOvinos, caprinos e bovinos |
9928 |
19,6%19,6%60,8% |
Predominância racial nas propriedades |
SPRDSanta Inês½ Santa Inês x DorperAnglonubianaBoer |
324313 |
74,4%9,3%7,0%2,3%7,0% |
Realiza suplementação |
MineralNutricionalMineral e NutricionalNão |
1912212 |
42,2%26,7%4,4%26,7% |
A respeito do sistema de criação, 30 propriedades (66,7%) utilizavam o sistema extensivo, ou seja, aquele mais simples com a predominância de manutenção dos animais em pastagens nativas e/ou cultivadas sem os tratos culturais adequados, com a manutenção dos animais pernoitando nas pastagens ou em instalações rústicas, denominadas de chiqueiros na região estudada. Outras 15 propriedades (33,3%) utilizavam o sistema semi-intensivo, caracterizado pela suplementação durante o período de estiagem, animais pernoitando presos em instalações destinadas para esta finalidade, apriscos, e com a adoção de estratégias de manejo sanitário e reprodutivo.
O sistema de criação predominante neste estudo, também foi verificado com maior frequência por Santos et al. (2011) e Helmer et al. (2020), onde em ambos predominavam o objetivo de produção de animais para o abate. Assim como, Souza et al. (2023) encontraram resultados semelhantes para os produtores de pequenos ruminantes criados na região de Barra – BA. No entanto, em criações de caprinos leiteiros no semiárido pernambucano, Diniz et al. (2014) e Veschi et al. (2016) observaram a predominância do sistema semi-intensivo. Provavelmente este resultado contrastante deva-se à natureza da atividade leiteira, que necessita de cuidados mais intensivos com a alimentação e a sanidade, bem como necessita de instalações adequadas para a adequada retirada e armazenamento do leite, e com os cuidados com os filhotes até o seu desaleitamento.
As informações coletadas revelaram que as propriedades tinham foco na produção de carne, sendo relatado por 42 produtores (93,3%) que promovem a venda dos animais para o abate. Apenas 3 produtores responderam que retiravam o leite das cabras, no entanto, a produção do leite não é uma atividade exclusiva do rebanho, sendo também realizada a comercialização de animais para o abate. Foi reportado por alguns produtores o interesse em produzir o leite e promover o seu beneficiamento, porém, estes não possuíam conhecimento e orientações técnicas sobre o manejo e instalações adequadas para tal finalidade. Aliado a este fato, percebe-se na região um preconceito com os derivados lácteos de origem caprina, uma vez que, não há nenhum laticínio em um raio de 300 km que promova o beneficiamento deste produto, sendo o leite retirado utilizado para o próprio consumo familiar.
O resultado encontrado nesta região do Médio São Francisco, reflete o que ocorre com a ovinocaprinocultura da região semiárida nordestina, onde mesmo em propriedades dedicadas à produção de leite, os machos e as fêmeas de descarte são fontes de renda, sendo destinados para o abate, o grande problema desta ação reside na inadequação da carcaça produzida, levando a uma carne de menor qualidade, sobretudo devido a menor proporção de carne e sabor mais acentuado.
Quanto ao aspecto dos recursos disponíveis para a alimentação dos animais, é de conhecimento dos produtores que para a adequada produção dos animais, há necessidade de oferta de alimento de qualidade e em quantidade suficiente para atender as suas exigências ao longo do ano. Na região do Médio São Francisco, devido as irregularidades das chuvas, e ao seu baixo volume, a produção e armazenamento de alimentos torna-se fator imperativo para que a atividade pecuária de ruminantes seja realizada de forma economicamente viável, e que atenda ao bem-estar dos animais, uma vez que os mesmos não podem ser privados de se alimentar.
Diante desta importante questão, foi objeto de interesse conhecer se os produtores da região possuíam alguma forma de reserva estratégica de alimento para suplementação dos animais no período de escassez de forragem (nativa e/ou cultivada), foi observado que dos 46 entrevistados, 33 (71,7%) possuíam algum tipo de reserva estratégica e conservação de alimentos, destacando-se a manutenção de palma forrageira e capineiras, sendo os métodos de conservação mais citados a ensilagem e a fenação. Estes resultados são corroborados por Souza et al. (2023), pois estes avaliaram o manejo nutricional de pequenos ruminantes na região de Barra – BA e identificaram que dentre as estratégias de conservação de forragem, destaca-se o processo de ensilagem, principalmente realizada com os capins cultivados nas capineiras. Já na região do semiárido paraibano, Santos et al. (2011) reporta maior utilização da conservação de forragem pelo método da fenação.
Porém, chamou a atenção a destinação dessas reservas estratégicas, pois aqueles produtores que também criam bovinos, priorizam estes animais em detrimento dos pequenos ruminantes, uma vez que, segundo os entrevistados esta espécie apresenta maiores exigências nutricionais e possuem maior valor de marcado, logo a morte de um bovino representa uma perda financeira elevada. Além deste fator, a região estudada possui uma tradição histórica na bovinocultura de corte como atividade pecuária predominante, e por considerarem os pequenos ruminantes animais com maior rusticidade e resistência, logo não necessitariam de cuidados adicionais. Diante do que foi observado ao longo da realização deste estudo, os pequenos ruminantes desta região, em sua maioria, são mantidos ao longo do ano nos piores pastos e sem complementação alimentar durante o período seco.
Somando todas as propriedades visitadas, obteve-se um efetivo de 1.211 animais, sendo 687 (56,7%) ovinos e 524 (43,3%) caprinos, com uma média de 26 animais por propriedade. Esse resultado foi similar ao encontrado por Helmer et al. (2020), em que 70% das propriedades possuíam até 20 animais. Considerando o tamanho médio das propriedades estudadas, verificou-se um potencial para evolução dos rebanhos, mas o mesmo é comprometido pela pouca adoção de tecnologias, principalmente relacionadas ao estoque de alimentos para os períodos de estiagem, deficiência no processo de gerenciamento do rebanho e na predominância da criação dos animais em áreas nativas com pouca capacidade de suporte e de lotação animal (UA/ha).
Uma vez analisada as espécies animais criadas nas propriedades, verificou-se que em 28 delas (60,8%) criavam-se simultaneamente, bovinos, caprinos e ovinos, sendo que dentro destas, 14 tinham a bovinocultura como atividade principal. Nas outras 18 propriedades, metade delas (19,6%) criavam somente ovinos e a outra metade (19,6%) apenas caprinos (Tabela 2). Assim como nos estudos de Cardoso et al. (2015) e Helmer et al. (2020), ficou evidenciado que a ovinocaprinocultura da região do Médio São Francisco estudada é considerada como atividade secundária a bovinocultura.
Quanto aos grupamentos genéticos de ovinos e caprinos criados na região, verificou-se que em 32 propriedades (71,1%) predominavam animais sem padrão racial definido (SPRD), para ambas as espécies (Tabela 2). Entretanto, observou-se que os criadores têm buscado o melhoramento genético dos seus rebanhos com a introdução de reprodutores puros das raças ovinas Santa Inês e/ou Dorper, ou optam pela aquisição de seus cruzados, por exemplo os animais meio-sangue das raças citadas; para os caprinos predominou-se a utilização de reprodutores das raças exóticas Anglonubiana e Boer.
Apesar de demonstrar uma preocupação com o progresso genético dos seus rebanhos em termos produtivos, essas informações quanto a introdução de animais puros de raças exóticas deve ser vista com muita cautela, pois estes animais por sua alta seleção para produtividade, também são mais exigentes nutricionalmente e com relação ao manejo sanitário. Como os animais são cruzados de maneira desorientada com os animais SPRD e com os ecótipos nativos da região, a estratégia de cruzamento, como vem sendo realizada, pode ser danosa num futuro breve, uma vez que poderá levar a extinção das raças e/ou ecótipos nativos, material genético extremamente adaptado às condições ambientais e de manejo da região.
A suplementação alimentar é importante para uma produção animal constante e lucrativa ao longo do ano, mesmo em regiões com maior disponibilidade de chuvas e melhor oferta de forragem, sendo a suplementação mineral específica para a espécie animal de indicação obrigatória, pois existem deficiências dos solos brasileiros para alguns minerais (PEIXOTO et al., 2005). Já a suplementação com uso de alimentos concentrados, se faz necessário para atender as exigências de macronutrientes para categorias animais mais exigentes do rebanho, por exemplo as matrizes pré-estação de monta e no pós-parto.
Nesta perspectiva, foi interesse desta pesquisa conhecer como realizava-se a suplementação alimentar (mineral e/ou nutricional) dos pequenos ruminantes da região. Os resultados apresentados na Tabela 2, serve de alerta, pois verificou-se que 12 (26,7%) criadores não faziam nenhum tipo de suplementação, outros 12 produtores (26,7%) possuíam o hábito de realizar suplementação nutricional apenas com concentrado, 19 (42,2%) afirmaram fazer apenas suplementação mineral, porém chamou atenção o desconhecimento quanto aos cuidados com a oferta de sal mineral específico para a espécie criada, sendo relatado que utilizavam sal mineral bovino para os pequenos ruminantes. Apenas dois criadores (4,4%) afirmaram oferecer algum tipo de suplementação nutricional e mineral para seus animais.
Os resultados encontrados no presente estudo encontram-se abaixo dos relatados por Santos et al. (2011), estas divergências podem ter ocorrido devido a maior tradição na criação de pequenos ruminantes na região estudada pelos autores, além do que os produtores do referido estudo possuem maior acesso a assistência técnica.
Verificou-se a partir do estudo que a assistência técnica (Astec) nos municípios estudados é insuficiente para um bom desenvolvimento da atividade. Do total de entrevistados que responderam a esta pergunta, 21 criadores (46,7%) informaram ter recebido algum tipo de Astec, sendo esta realizada por meio de programas de extensão rural de universidades, ou pelo programa de assistência técnica do SENAR, que foi implementado a partir de 2022 na região (Tabela 3). Esse resultado demonstrou uma divergência com os resultados obtidos em outras microrregiões do país, no trabalho de Diniz et al. (2014), 31% dos produtores de caprinos recebiam algum tipo de assistência técnica, em oposição aos resultados encontrados por Veschi et al. (2016), em que 75% dos criadores de caprinos da região de Petrolina – PE possuíam acesso a assistência técnica. A divergência entre os resultados encontrados no presente estudo, em relação aos outros trabalhos publicados, pode estar relacionada com o fato da ovinocaprinocultura ser uma atividade econômica de grande importância para a microrregião de Petrolina.
Tabela 3 – Caracterização do apoio técnico e medidas sanitárias dedicadas aos ovinos e caprinos na região do Médio São Francisco.
Variável |
Especificações das variáveis |
Frequência
|
Frequência
|
Dispõe de
|
SimNão |
2124 |
46,7%53,3% |
Vermifugação de todos os animais |
1 vez no ano2 vezes no ano3 vezes no anoNão faz |
10131010 |
23,3%30,1%23,3%23,3% |
Conhece o método FAMACHA |
SimNão |
1028 |
26,3%73,7% |
Entre os problemas sanitários que acometem os rebanhos da região, as endoparasitoses sem dúvidas promovem maior preocupação aos produtores, uma vez que este problema eleva a taxa de mortalidade nos animais mais jovens, diminuição a produtividade e aumenta os custos de produção devido a necessidade de utilização de vermífugos. Como há uma escassez na oferta de assistência técnica para os produtores da região, conhecer os métodos de controle dos endoparasitos utilizados por estes é uma informação pertinente, haja vista que a partir dessas informações ações práticas de orientação podem ser desenvolvidas.
Sendo assim, foi observado que o controle parasitário é realizado apenas por meio da vermifugação dos animais. A prevenção por meio do controle estratégico de desinfecção das instalações, rotação de pastagens e vazio sanitário, não foi priorizada pelos criadores. Uma das suposições do desconhecimento destas estratégias reside no baixo acesso a Astec e da baixa escolaridade da maioria dos produtores, pois era nítida a falta de conhecimento destes, quando não souberam diferenciar o processo de vacinação do processo de vermifugação quando perguntados, além de não seguirem um adequado calendário ou estratégia de vermifugação durante o ano (ALENCAR et al., 2010). Observou-se que dez (23,3%) dos entrevistados não faziam nenhuma vermifugação durante o ano, e outros dez (23,3%) apenas uma vez ao ano sem adoção de nenhum critério, uma vez que a maioria dos entrevistados desconheciam o FAMACHA, como método de auxílio para a realização de vermifugação estratégica (Tabela 3). Estes resultados são contrastantes quando comparados com estudos realizados em regiões com tradição na criação de pequenos ruminantes, Santos et al. (2011), apontam que todos os criadores realizam, ao menos, uma vermifugação ao ano.
Apesar de não ter sido objeto de interesse dos questionários, foram relatados pelos produtores que entre as maiores dificuldades para a produção dos pequenos ruminantes na região estão a escassez de água durante os períodos de estiagem, e a dificuldade de acesso à energia elétrica. Quanto a limitação do acesso a água, isso pode ser um reflexo da falta de assistência técnica para orientação quanto a produção de alimento para o rebanho, pois com as orientações adequadas os alimentos podem ser produzidos durante o período das chuvas e armazenado adequadamente para os períodos de estiagem.
Somado a este fato, foi relatado que a falta de organização entre os produtores e a falta de incentivo dos órgãos públicos é um entrave para a comercialização dos animais, bem como de seus produtos. Como foi observado, os animais criados na região possuem a aptidão para a produção de carne, logo são comercializados diretamente para os atravessadores que promovem a venda da carne nas feiras livres e açougues da região. Neste caso, o abate dos animais é realizado sem nenhum critério técnico que assegure uma qualidade higiênico sanitária ao produto, comprometendo a qualidade do produto final, e assim contribua para que o pré-conceito com os produtos da ovinocaprinocultura permaneçam na região.
Conclusão
Na região do Médio São Francisco estudada, a ovinocaprinocultura caracteriza-se pelo predomínio de criações extensivas, com a manutenção de animais sem padrão racial definido, aliadas à falta de conhecimento e profissionalismo dos produtores, associadas a inadequadas práticas de manejo, as quais comprometem a oferta de animais para atender maiores demandas dos produtos no mercado, limitando o desenvolvimento da atividade na região.
Este estudo pode servir de base para estudos futuros que visem contribuir para a melhor estruturação e o fortalecimento da cadeia produtiva da ovinocaprinocultura na região do Médio São Francisco e outras regiões do semiárido baiano.
Agradecimentos
A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pelo apoio financeiro deste estudo por meio do edital INCITE-FAPESB Nº 005/2022, fornecendo bolsa de apoio técnico e de iniciação científica.
Conflitos de interesse
Não houve conflito de interesses dos autores.
Contribuição dos autores
Mainard Bastos da Silva – coleta das informações à campo e escrita do texto; Brandon França Aires Nascimento – coleta das informações à campo; Artur Azevedo Menezes – escrita e revisão do texto; Janaína de Lima Silva – correções e revisão do texto; Caio Victor Damasceno Carvalho – orientação, correção e revisão do texto.
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Recebido em 16 de março de 2024
Retornado para ajustes em 29 de janeiro de 2025
Recebido com ajustes em 30 de janeiro de 2025
Aceito em 6 de fevereiro de 2025
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