Quantcast
Channel: Revista Agrária Acadêmica
Viewing all articles
Browse latest Browse all 64

Diferenciação textural – lessivagem, elutriação e ferrólise

$
0
0

Revista Agrária Acadêmica

agrariacad.com

doi: 10.32406/v7n6/2024/116-127/agrariacad

 

Diferenciação textural – lessivagem, elutriação e ferrólise. 

Textural differentiation – lessivage, elutriation and ferrolysis.

 

Samara Alves Testoni1*, Jessica Oneda da Silva2, Marcelo Ricardo de Lima3

 

1*- Pesquisadora de Pós-Doutorado – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Campus do Vale – RS, Brasil. Autor para correspondência. E-mail: testonisamara@gmail.com
2- Engenheira Florestal – Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Santa Catarina – Florianópolis – SC, Brasil. E-mail: j.oneda17@gmail.com, jessica.oneda@hotmail.com
3- Docente do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola – Universidade Federal do Paraná – UFPR, Rua dos Funcionários, 540, 80035-050, Curitiba – PR, Brasil. E-mail: mrlima@ufpr.br

 

Resumo

 

A diferenciação textural, com acúmulo de argila no horizonte B em relação aos horizontes sobrejacentes, deriva de distintos processos pedogenéticos: lessivagem (argiluviação ou desargilização), elutriação e ferrólise. Esta revisão teve como objetivo discutir como definição, ocorrência e particularidades da diferenciação textural em solos, oriunda dos processos pedogenéticos supracitados. A lessivagem promove a movimentação da fração argila em suspensão em três fases: dispersão, transporte e acumulação. A elutriação remove a argila suspensa pela erosão, em que o fluxo superficial transporta a argila suspensa na superfície do solo até que ocorra a infiltração da água. Na ferrólise ocorre a destruição das argilas dos horizontes superficiais através de hidromorfismo temporário.

Palavras-chave: Erosão superficial. Argiluviação. Micromorfologia. Óxidos de ferro. Argila.

 

 

Abstract

 

The textural differentiation, with clay accumulation in the B horizon in relation to the overlying horizons, derives from distinct pedogenetic processes: lessivation (clayluviation or deargilization), elutriation and ferrolysis. This review aimed to discuss the definition, occurrence and particularities of textural differentiation in soils, arising from the abovementioned pedogenetic processes. Lesivation promotes the movement of the clay fraction in suspension in three phases: dispersion, transport and accumulation. Elutriation removes suspended clay from erosion, where surface flow transports suspended clay to the soil surface until water infiltration occurs. In ferrolysis, clays in surface horizons are destroyed through temporary hydromorphism.

Keywords: Surface erosion. Argilluviation. Micromorphology. Iron oxides. Clay.

 

 

  1. Introdução

 

Para compreender a evolução do solo, é preciso definir e entender como os fatores e os processos de formação o influenciam. A este entendimento dá-se a definição de “gênese do solo” ou “pedogênese”. Na formação do solo, os processos pedogenéticos são resultado da interação de uma diversidade de fatores como material de origem, clima, relevo e tempo. Diferentes combinações desses fatores desencadeiam diferentes processos pedogenéticos, que por sua vez formam solos e horizontes característicos. Esses processos dizem respeito às ações que ocorrem no interior ou na superfície do solo, podendo ser de adição, transformação, translocação e remoção (KÄMPF & CURI, 2012) (Figura 1).

 

Figura 1 – Diagrama ilustrativo de alguns processos comuns como adições, remoções, translocações e transformações nos solos, e como são utilizados para interpretar o desenvolvimento do solo. Fonte: Os autores (Adaptado de Kämpf & Curi, 2012).

 

Desse modo, as abordagens que consideram os processos pedogenéticos e suas particularidades nos permitem compreender os solos, quer ocorram contínua ou descontinuamente na paisagem (VIDAL-TORRADO et al., 2005). A formação do solo pode ser definida como uma complexa sequência de eventos, incluindo tanto complicadas reações como simples rearranjos de material, que afetam intimamente o solo sobre o qual estão atuando (BUOL et al., 1973). Dentre os vários processos que participam da gênese do solo, há o acúmulo de argila no horizonte B em relação aos horizontes sobrejacentes, que pode ser produto de diferentes processos pedogênicos, tais como lessivagem, elutriação, remoção superficial de argila por preparo de solo inundado, formação de argila no solo in situ e destruição de argila (OLIVEIRA et al., 2008).

Philips (2004) afirma que a diferença textural vertical pode ser resultado da combinação de diversos fatores. Nesse contexto, a lessivagem (argiluviação ou desargilização), processo apontado como o mais comum para explicar a diferenciação textural, corresponde à migração mecânica (eluviação ou perda) de argila no perfil do solo, promovendo um gradiente em função da maior concentração de argila nos horizontes iluviais (MAFRA et al., 2001). Para Schaetzl & Anderson (2005), a eluviação consiste na remoção de constituintes dos horizontes e das camadas do solo por lixiviação, sendo ditos eluviais os horizontes em que a eluviação tem sido o processo dominante. Já a iluviação, diz respeito ao recebimento ou acumulação de materiais movidos por eluviação, caracterizando assim um horizonte iluvial, por vezes com presença de filmes de argila revestindo os agregados (caracterizando cerosidade) (REICHER, 2007).

Ainda com menção aos processos de formação do solo que abordaremos nesta revisão, há a elutriação e a ferrólise. A elutriação define-se por um processo pedogenético específico, que tem como subprocesso a erosão seletiva e ocorre através da remoção de material fino (argila e silte fino) do horizonte superficial através de escoamento superficial, ocasionando a formação de um gradiente textural no solo. Já a ferrólise, consiste, igualmente, em um processo pedogenético específico, cujos subprocessos, definidos por oxirredução e hidrólise, ocasionam a destruição de argilominerais do horizonte superficial, produzindo um gradiente textural (horizonte Bt) (BUOL et al., 1973; apud KÄMPF & CURI, 2012).

Deste modo, este trabalho de revisão teve como objetivo abordar aspectos relacionados à definição, ocorrência e particularidades da diferenciação textural presente no solo, oriunda de processos pedogenéticos como lessivagem, elutriação e ferrólise.

 

  1. Material e métodos

 

Esta revisão sucinta considerou a análise de 22 referências bibliográficas consolidadas no campo de estudo proposto pelo artigo. As buscas foram realizadas utilizando-se as seguintes palavras-chave: argiluviação, lessivagem, elutriação, ferrólise e diferenciação textural; e foram majoritariamente concentradas em 2 (dois) tipos de publicações: livros e artigos científicos, tanto nacionais como estrangeiros. A principal base de busca utilizada foi Google Scholar, abrangendo os anos de 1973 a 2018, considerando publicações pioneiras no tema abordado contendo os termos anteriormente mencionados.

 

  1. Processos pedogenéticos responsáveis por diferenciação textural

 

Vários são os processos pedogenéticos definidos como determinantes no desenvolvimento de solos que apresentam diferenciação textural: sua natureza litológica ou sedimentar (material de origem com estratificação), remoção das partículas finas da camada superficial, adição de material grosseiro situado na parte mais elevada do terreno, degradação das argilas dos horizontes A e/ou E pelo processo de ferrólise, ou ainda, formação autóctone de argilas em decorrência do intemperismo de minerais primários compondo os horizontes superficiais (OLIVEIRA, 2005).

 

3.1 Lessivagem

 

A lessivagem (do francês lessive, lavado) diz respeito ao movimento em suspensão da fração argila, óxidos e compostos orgânicos. Com isso, os horizontes superficiais são eluviados (empobrecidos) e os horizontes subsuperficiais são iluviados (enriquecidos) (KÄMPF & CURI, 2012). Todavia, conforme exposto por Oliveira et al. (2008) e por outros autores citados pelo mesmo, em muitos casos não há evidências de que a diferença textural entre horizonte superficial e subsuperficial seja produzida pela lessivagem. Um destes casos, bastante específico, refere-se à formação de partículas de argila através da cristalização a partir da solução do solo, que pode originar argilas fortemente orientadas, tornando-se difícil distinguir revestimentos oriundos a partir de iluviação (BREEMEN & BUURMAN, 2003).

Contudo, Zapata Hernández (2022) categoriza que a melhor técnica para o reconhecimento e o estudo do processo de iluviação da argila consiste na micromorfologia, pois, de modo geral, nem sempre é fácil julgar se um determinado domínio de argila orientada é iluvial ou não. Nesta problemática, o microscópio petrográfico consiste em uma ferramenta importante na identificação da transformação da argila. Este mesmo autor ainda complementa que as características pelas quais torna-se possível reconhecer a origem iluvial da argila, preparada em lâmina delgada, são: continuidade óptica, forte orientação preferencial (Figura 2a), intensa cor de interferência, existência de laminações (Figura 2b), contraste textural com a matriz adjacente, limite abrupto com o material circundante, cor natural e localização própria (recobrindo as paredes dos macroporos ou das superfícies dos agregados).

 

Figura 2a – Argila orientada devido à processos de precipitação química. Figura 2b – Revestimentos de argila laminada nos poros de um solo (BREEMEN & BUURMAN, 2003).

 

Ainda com relação ao reconhecimento do processo de iluviação (lessivagem ou argiluviação) nos solos, ressalta-se que o mesmo é bastante dificultoso, e, por vezes, pode não estar relacionado à diferenciação textural ocorrente em determinado perfil. Em trabalho realizado com Luvissolos e Planossolos desenvolvidos de rochas metamórficas no semi-árido brasileiro por Oliveira et al. (2008), não foi possível estabelecer uma relação entre o contraste textural observado nos solos e a iluviação da argila. Os autores avaliaram uma série de fotomicrografias e sugeriram que a argila presente no horizonte Bt é oriunda da formação in situ, pois, dos horizontes superficiais, espera-se uma maior acidificação, proveniente da decomposição da matéria orgânica e também da extração dos cátions básicos pelas plantas, conduzindo à destruição, ainda que parcial, dos minerais de argila, principalmente aqueles pertencentes ao grupo das esmectitas e vermiculitas (minerais 2:1 expansíveis), devido à sua maior área superficial específica, que lhes confere uma elevada reatividade de superfície e, consequentemente, uma maior susceptibilidade ao intemperismo. Outro aspecto ressaltado por Oliveira et al. (2008), refere-se ao maior período úmido ao qual estão sujeitos os solos do semiárido, sujeitos a precipitações escassas, porém intensas, colaborando para o intemperismo químico dos minerais primários, e consequente formação autóctone da argila.

Destaca-se ainda, que a ocorrência da lessivagem é dependente de condições específicas do solo, como água suficiente para mover-se no perfil, argila na forma não agregada ou cimentada ou em quantidade suficiente, e, macroporos para possibilitar a translocação, sendo as texturas médias as mais favoráveis ao movimento de água no perfil (VIEIRA, 1988). Corroborando com esta afirmação acerca da textura na influência da mobilidade das partículas, Bortoluzzi et al. (2008), expõem que não só a textura exerce influência, como também, o tamanho da fração textural. Estes autores discorrem sobre a interpretação acerca da razão entre argila fina e argila total do solo com diferenciação textural, uma vez que este fator pode auxiliar na identificação do processo de iluviação de partículas finas, pois quanto maior o teor de partículas finas na fração argila, maior será a probabilidade deste material sofrer iluviação. Ainda que o fluxo de água seja menos frequente nos macroporos, este apresenta-se mais rápido, podendo mover uma maior quantidade de argila até uma maior profundidade do solo.

Cabe ressaltar, além dos fatores mencionados, a estabilidade geológica, que se faz necessária para que a eluviação ocorra, tendo em vista o longo tempo necessário para que o processo seja visível, pois o movimento da argila é um processo puramente mecânico, que pode ser relativamente rápido em condições ótimas ou ainda, extremamente lento em condições menos favoráveis (VIEIRA, 1988). Fato este, é comentado por Breemen e Buurman, (2003), ao destacarem que a iluviação da argila tem sido evidenciada em depósitos expostos de geleiras há menos de 200 anos, porém, complementam afirmando que mais de mil anos ainda são necessários para desenvolver um horizonte iluvial distinto, sendo que a iluviação da argila, em solos altamente intemperizados, pode ser mais antiga que 10.000 anos. Um exemplo de processo de iluviação, formado em um longo período de tempo, encontra-se em solos que possuem material de erosão eólica situados no sul da Alemanha, onde estima-se que o movimento da argila teve seu início há mais de 5.500 anos, tornando-se indicativo da ocorrência de um processo fóssil nesta área.

Condições sucessivas de secamento e umedecimento (contração e expansão) com consequente separação física dos agregados, texturas médias, solos abundantemente porosos e pouco cimentados, superfícies estáveis e vegetação com sistema radicular profundo, são fatores que favorecem a movimentação vertical da argila, cuja mobilização é desencadeada por esboroamento ou dispersão colaborando para a ocorrência de argila iluvial em horizontes subsuperficiais (VIEIRA, 1988). Reicher (2007) e Zapata Hernández (2022), relatam que sua ocorrência se dá em três fases: dispersão, transporte e acumulação. Para a mobilização da argila de fato ocorra, é necessário que esta fração tenha sofrido dispersão prévia. Por meio da ação da água, as argilas presentes no horizonte superficial se mobilizam ao dispersar-se, e tornam-se uma suspensão. A dispersão é resultado de múltiplas repulsões as quais se submetem as partículas de argila, como consequência da existência de cargas elétricas, fundamentalmente negativas, localizadas em suas superfícies, em que a água atua como meio de suporte (ZAPATA HERNÁNDEZ, 2022).

Para Kämpf & Curi (2012), a dispersão consiste no afastamento químico dos coloides em suspensão, em função da expansão da dupla camada difusa, facilitada pela saturação de íons Na+ e pela baixa concentração de sais, sendo também favorecida em valores de pH elevados e pela presença de ácidos orgânicos de baixo peso molecular. Nesse sentido, argilominerais expansivos, com maior carga e menor tamanho são mais móveis em comparação a argilominerais com menor carga e maior tamanho, corroborando com o exposto por Breemen e Buurman (2003), ao afirmarem que a mobilidade da argila no perfil está relacionada com o tipo e a qualidade de mineral que compõe a argila atuante no processo de iluviação. Estes autores mencionam ainda que argilas de solos de ambientes de clima temperado, com mineralogia predominantemente composta por minerais 2:1 possuem partículas mais finas, e, por este motivo, adquirem maior mobilidade no perfil, estando sujeitas ao processo de iluviação, ao passo que argilas presentes em ambientes de clima tropical, tais como a caulinita, apresentam partículas com diâmetro um pouco maior, o que leva à redução da sua mobilidade no solo, e consequente atenuação dos efeitos de iluviação.

Posteriormente à fase de dispersão, as argilas em suspensão sofrem migração em função da ação da gravidade, através dos macroporos até os horizontes mais profundos, os quais se encontram com menor teor de umidade em relação aos horizontes menos profundos (ZAPATA HERNÁNDEZ, 2022). Kämpf & Curi (2012) afirmam que a deposição da argila em suspensão pode ocorrer por diferentes maneiras, destacando a ocorrência de floculação por altas concentrações de eletrólitos; adsorção de argilominerais com carga negativa permanente em óxidos de Fe e Al em subsolos ácidos; filtragem por maior microporosidade e abundância de sítios de adsorção em horizontes de textura fina; e pelo fim do fluxo d’água. Ainda com referência à deposição da argila em suspensão, Zapata Hernández (2022) explica que em função do seu tamanho de partícula, as argilas não são capazes de passar pelas paredes dos macroporos, concentrando-se sobre estas. À medida que há mais fornecimento de água, forma-se uma fina camada que recobre estas paredes. Quando o solo grande parte de sua umidade, as argilas são aderidas às paredes, e, devido ao seu hábito laminar, são fortemente orientadas entre elas, formando uma lâmina paralela. No seguinte ciclo de chuvas, o processo se repete, e, como consequência, cria-se uma fina película denominada argilãs ou cutans, a qual aumenta espessura paulatinamente a cada ciclo. De maneira similar, quando as suspensões umedecem os agregados do solo, estas finas películas de argila são formadas sobre a superfície dos mesmos (KÄMPF & CURI, 2012).

 

3.2 Elutriação

 

A elutriação consiste na remoção superficial da argila pela erosão, que pode ser desencadeada pelo impacto das gotas de chuva. O fluxo superficial transporta a argila suspensa na superfície do solo até que ocorra a infiltração da água. Com isso, a longo prazo, uma porção significativa da fração fina do horizonte superficial pode ser removida pelo fluxo superficial (KÄMPF & CURI, 2012). Este processo pode ser amenizado com a presença de cobertura vegetal, com a implantação de um sistema conservacionista de cultivo, sob plantio direto, ou ainda, com o cultivo de espécies com raízes profundas, tais como as espécies florestais.

Conforme mencionado, a atenuação dos efeitos causados pela elutriação pode ser possível em função da presença de cobertura vegetal nos horizontes superficiais, pois, solos com cobertura vegetal suficiente – como os encontrados em ambientes de cultivo florestal ou sob plantio direto – tornam-se mais estruturados ao longo do tempo, seja pelas raízes profundas das espécies florestais, ou pela deposição de resíduos vegetais que favorece a atividade microbiana, ou ainda pela ausência/redução de atividades de preparo do solo, que favorece a agregação e a formação de micro e macroagregados. Por outro lado, solos sob cultivo convencional, com escassa cobertura vegetal e elevada interferência de mecanizações agrícolas, estão sujeitos a uma fraca estruturação, composta por agregados instáveis e susceptíveis a processos erosivos, tais como iluviação ou elutriação (SALZET et al., 2016).

Em trabalho por Salzet et al. (2016), verificou-se a existência de uma relação entre intensidade do processo de iluviação e mudança de uso do solo (Luvissolo). Os autores concluíram, com base em modelagem estatística para avaliar a distribuição da argila iluvial no perfil, que solos sob cultivo florestal apresentaram menor quantidade de argila perdida por iluviação em comparação a solos sob cultivo convencional, sob as mesmas profundidades, justificando os achados encontrados na pesquisa (Figura 3).

 

Figura 3 – Distribuição da argila iluvial em relação à profundidade de perfis sob cultivo florestal e sob cultivo convencional, em Luvissolo (Paris, França). Fonte: Adaptado de Salzet et al., 2016.

 

3.3 Ferrólise

 

Para Vidal-Torrado et al. (1999), a ferrólise é definida como um processo que também leva à diferenciação textural e à consequente formação de horizonte B textural (Bt), e ocorre através da destruição das argilas dos horizontes superficiais através de hidromorfismo temporário, podendo ser acompanhada pela lessivagem. Phillips (2007), que aponta que, mesmo quando um determinado processo leva à diferenciação textural, outros processos também podem estar presentes.

A ferrólise é frequentemente observada em solos com drenagem deficiente e sujeitos a ciclos de umedecimento e secagem, com redução e oxidação do ferro, tornando o perfil do solo mais arenoso no topo (MEDEIROS, 2010). Segundo Queiroz Neto (2001), a diminuição da macroporosidade do horizonte A para o B promove a saturação hídrica e forma um ambiente redutor, favorável à mobilização do ferro e das argilas, as quais podem sofrer iluviação e/ou destruição. De acordo com Mafra et al. (2001), a degradação de argila no horizonte A ou E em condições alternadas de oxidação e redução e em valores de pH do solo bastante ácidos desencadeia a ferrólise. As diferenças texturais resultantes da iluviação ou da estratificação do material de origem são acentuadas pelo intemperismo de argilominerais no horizonte superficial que ocorre no processo de ferrólise (KÄMPF & CURI, 2012). Em adição a isso, Bortoluzzi et al. (2008) afirma que uma maior proporção de elementos totais nos horizontes subsuperficiais pode estar relacionada com a destruição ou degradação dos argilominerais pelo processo de ferrólise, que foi também observada por Mafra et al. (2001).

De acordo com Breemen e Burman (2003), os processos de oxidação e redução envolvendo o Fe não apenas influenciam a distribuição dos óxidos de Fe no perfil do solo, mas são a raiz de um processo formador do solo chamado ferrólise (= dissolução envolvendo o ferro). Em suma, a ferrólise envolve acidificação e destruição da argila sob influência da redução e oxidação do ferro. Minuciosamente, quando o ferro se encontra em um ambiente reduzido (saturado ou alagado), sua forma é Fe+2. Ocorrendo algum processo de secamento do perfil, ou retirada da água por drenagem, o Fe2+ é oxidado, perdendo um elétron e tornando-se Fe3+. Esta reação necessita da presença de oxigênio nos poros do solo, que, ao ser requerido, libera H+ para o sistema, acidificando o meio. Com o pH reduzido, hidróxidos de Al são formados, pois, o Al+3 torna-se mais disponível, e, neste ponto, ocorre uma transposição dos processos de ferrólise e intercalação dos polímeros de hidróxi-Al nos minerais 2:1. Os primeiros minerais que sofrem transformações através deste processo são os minerais 2:1, devido à sua baixa instabilidade no sistema, e também, por possuírem maior quantidade de Si em relação aos minerais 1:1, uma vez que o Si tem alta susceptibilidade à lixiviação. No processo de intemperismo destes minerais, no ambiente oxidado, os polímeros de hidróxi-Al, formados no ambiente, depositam-se entre as camadas dos minerais 2:1 expansivos, tais como a vermiculita e a esmectita, tornando-os mais estáveis no sistema, porém reduzindo sua capacidade de troca de cátions em função do bloqueio parcial das entrecamadas pelas “ilhas hidróxi”.

 

  1. Atributos e horizontes diagnósticos

 

Os solos onde a lessivagem ocorre apresentam mineralogia, fertilidade e química variadas. Fisicamente apresentam-se com profundidade variável e com gradiente textural, podendo ser frágeis e susceptíveis à erosão e à degradação ambiental em função da drenagem limitada, particularmente no caso dos Planossolos (REICHER, 2007).

Os efeitos resultantes da movimentação da argila variam de acordo com a textura do solo. Em solos arenosos, com baixo teor de argila, as argilas iluviais geralmente se apresentam desconectadas em bandas ou lamelas onduladas. Já em solos de textura média, horizontes eluvial e iluvial expressam-se claramente. Em solos argilosos, a diferenciação textural é pouco expressiva e a argila orientada é menos abundante. Ainda, cabe ressaltar que, em muitos solos em que houve movimentação de argila, outros processos mais recentes se sobrepuseram, a exemplo da podzolização e da ferrólise (KÄMPF & CURI, 2012).

Conforme destacado por Kämpf & Curi (2012), o acúmulo de argila aumenta o contraste textural e o estacionamento da frente de umedecimento. No caso de acúmulo de água em função do gradiente textural, o processo de ferrólise provoca a destruição do horizonte Bt a partir do topo, incrementando a espessura do horizonte sobrejacente. Ao longo do tempo, o horizonte B forma um limite superior irregular com entradas de penetração de material do horizonte E (ALMEIDA et al., 1997). Os solos que sofrem ferrólise apresentam geralmente mudança textural abrupta, pH e cores mosqueadas (MEDEIROS, 2010). A mudança textural abrupta se refere ao aumento considerável no teor de argila em uma pequena distância na zona de transição entre o horizonte A ou E e o B (OLIVEIRA, 2005). As evidências da ocorrência da lessivagem são:

  1. Aumento de argila no subsolo em relação à superfície;
  2. Presença de cutículas/películas de argila envolvendo poros e agregados;
  3. Presença de um máximo de argila fina na zona de iluviação;
  4. Em alguns casos presença de argilas diferentes da iluviada.

O diagnóstico da ocorrência de lessivagem é feito com base na relação argila fina/argila grossa, tendo em vista que a fração argila fina é mais móvel do que a argila grossa. A relação deve ser maior no horizonte iluvial (Bt) do que no horizonte eluvial (KÄMP & CURI, 2012), conforme observado em estudo realizado por Finato (2013). Em estudado realizado por Mafra et al. (2001), a lessivagem foi evidenciada pela presença de cerosidade no horizonte Bt, distribuída na superfície de agregados e em poros tubulares funcionais. Segundo Santos et al. (2018), a cerosidade, dentre outros critérios é determinante na identificação de horizonte Bt. Em estudo realizado por Medeiros (2010), o menor grau de floculação e gradiente textural acentuado, entre outros fatores, são sugestivos à ocorrência de lessivagem. Entretanto, Oliveira et al. (2008) verificaram em topossequências de Luvissolos e Planossolos pertencentes ao semi-árido brasileiro, que a cerosidade pode ser confundida com o brilho refletido por flocos de mica parcialmente alterada, em virtude da ausência de revestimentos argilosos nas superfícies das unidades estruturais. Certamente, esta afirmação só pode ser extrapolada para solos cujo material de origem forneçam mica.

A ocorrência de elutriação pode ser percebida pelas seguintes características:

  1. Ausência de argilãs no horizonte B;
  2. Balanço negativo de argila;
  3. Ausência de aumento da CTC da argila no subsolo;
  4. Ligeira perda de silte fino no horizonte superficial;
  5. Menores teores de argila e argila fina no horizonte superficial e teor de argila fina maior no subsolo.

Horizontes iluviais são em geral horizontes B e caracterizam Bt no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SANTOS et al., 2018) e Argilic horizon no Sistema americano Soil Taxonomy (NRCS/USDA, 1999). Segundo Medeiros (2010), a presença de B textural indica alto grau de desenvolvimento do solo por se tratar de um processo de formação gradual. Silva Neto (2010) também afirma que solos com menor grau de hidromorfismo com participação de processos pedogenéticos como a lessivagem, podem apresentar maior desenvolvimento genético. De acordo com a intensidade da eluviação, podem ser formados horizontes E suprajacentes ao Bt, correspondendo ao horizonte diagnóstico E álbico (KÄMPF & CURI, 2012).

 

  1. Solos e paisagem de ocorrência

 

O horizonte B textural é diagnóstico das classes de Argissolos e Planossolos (SANTOS et al., 2018). Contudo, conforme apontado em estudo realizado por Parahyba et al. (2010), a diferença textural em Planossolos pode não ter relação com o processo de eluviação/iluviação de argila, estando ligada à formação in situ via intemperização. Conforme já comentado, Argissolos são caracterizados pela presença de horizonte B textural imediatamente abaixo do horizonte A ou E.

Grande parte dos solos dessa classe apresenta evidente incremento de argila no horizonte B, com transição do A para o Bt geralmente clara, abrupta ou gradual. Apresenta cores avermelhadas ou amareladas e mais raramente brunadas ou acinzentadas (Figura 4).

 

Figura 4 – Perfis característicos de Argissolos. Fonte: os autores.

 

Abrange os solos anteriormente classificados como Podzólico Vermelho-Amarelo, pequena parte de Terra Roxa Estruturada, Terra Roxa Similar Estruturada Similar, Terra Bruna Estruturada, Terra Bruna Estruturada Similar, Podzólico Bruno-Acinzentado, Podzólico Vermelho-Escuro, Podzólico Amarelo, Podzólico Acinzentado e Alissolos com B textural (SANTOS et al., 2018). De acordo com Oliveira (2005), torna-se difícil uma apreciação generalizada dos solos dessa ordem em função da grande gama de solos que abrange, indo de eutróficos a distróficos, de álicos até alumínicos, de rasos a profundos, com fragipã e até com caráter solódico.

 

  1. Considerações finais

 

A ocorrência dos Argissolos está relacionada à diferenciação textural, podendo ser proveniente dos processos de lessivagem, elutriação e ferrólise, que promovem um acúmulo de argila no horizonte subsuperficial. O estudo dos processos de formação do solo permite uma maior compreensão e percepção dos diferentes tipos de solo existentes, possibilitando a ocupação e uso do solo adequada, além de promover a preservação desse meio fundamental na prestação de diversos serviços ecossistêmicos e na dinâmica da biosfera.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Samara Alves Testoni – ideia original, leitura, interpretação das obras e escrita; Jessia Oneda da Silva – ideia original, leitura, interpretação das obras e escrita; Marcelo Ricardo de Lima – orientação, correções e revisão do texto.

 

Referências bibliográficas

 

ALMEIDA, J. A.; KLAMT, E.; KAMPF, N. Gênese do contraste textural e da degradação do horizonte B de um podzólico vermelho-amarelo da Planície Costeira do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 21, n. 2, p. 221-233, 1997. https://www.semanticscholar.org/paper/Genese-do-contraste-textural-e-da-degradacao-do-B-Almeida-Klamt-Kampf/

BORTOLUZZI, E. C.; PERNES, M.; TESSIER, D. Mineralogia de partículas envolvidas na formação de gradiente textural em um Argissolo subtropical. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 32, n. 3, p. 997-1007, 2008. https://doi.org/10.1590/S0100-06832008000300009

BREEMEN, N.; BUURMAN, P. Soil Formation. 2nd edition. Dordrecht: Springer, 2002, 408p. https://doi.org/10.1007/0-306-48163-4

BUOL, S. W.; HOLE, S. D.; MCCRACKEN, R. J. Soil Genesis and Classification. Ames: Iowa State University Press, 1973, 306p.

FINATO, T. Classificação técnico-científica de solos e as percepções locais em Gravataí, RS. 80p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/78174

KÄMPF, N.; CURI, N. Formação e evolução do solo (pedogênese). In: KER, J. C.; CURI, N.; SCHAEFER, C. E. G. R.; VIDAL-TORRADO, P. (Eds.). Pedologia: Fundamentos. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, p. 208-302, 2012.

MAFRA, A. L.; SILVA, E. F.; COOPER, M.; DEMATTE, J. L. I. Pedogênese de uma sequência de solos desenvolvidos de arenito na região de Piracicaba (SP). Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 25, n. 2, p. 355-369, 2001. https://doi.org/10.1590/S0100-06832001000200012

MEDEIROS, P. S. C. Processos pedogenéticos, caracterização e classificação de solos em topossequência granítica na região Sudeste de Porto Alegre. 66p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/27941

NRCS/USDA. Natural Resources Conservation Service/United States Department of Agriculture. Soil Taxonomy: A Basic System of Soil Classification for Making and Interpreting Soil Surveys. 2nd ed. Soil Survey Staff, Agriculture Handbook, n. 436, 1999. https://www.nrcs.usda.gov/sites/default/files/2022-06/Soil%20Taxonomy.pdf

OLIVEIRA, J. B. Pedologia Aplicada. 4ª ed. Piracicaba: FEALQ, 2005, 592p.

OLIVEIRA, L. B.; FONTES, M. P. F.; RIBEIRO, M. R.; KER, J. C. Micromorfologia e gênese de Luvissolos e Planossolos desenvolvidos de rochas metamórficas no semi-árido brasileiro. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 32, n. 6, p. 2407-2423, 2008. https://doi.org/10.1590/S0100-06832008000600019

PARAHYBA, R. B. V.; SANTOS, M. C.; ROLIM NETO, F. C.; JACOMINE, P. K. T. Pedogênese de planossolos em toposequência do Agreste Pernambucano. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 34, n. 6, p. 1991-2000, 2010. https://doi.org/10.1590/S0100-06832010000600023

PHILIPS, J. D. Geogenesis, pedogenesis, and multiple causality in the formation of texture-contrast soils. Catena, v. 58, n. 3, p. 275-295, 2004. https://doi.org/10.1016/j.catena.2004.04.002

QUEIROZ NETO, J. P. O estudo de formações superficiais no Brasil. Revista do Instituto Geológico, v. 22, n. 1-2, p. 65-78, 2001. https://doi.org/10.5935/0100-929X.20010003

REICHER, J. M. (Ed.). Fundamentos da Ciência do Solo. Santa Maria: UFSM, 2007, 169p.

SALZET, O.; CAMMAS, C.; BARBILLON, P.; ÉTIENNE, M.-P.; MONTAGNE, D. Illuviation intensity and land use change: quantification via micromorphological analysis. Geoderma, v. 266, p. 46-57, 2016. https://doi.org/10.1016/j.geoderma.2015.11.035

SANTOS, H. G.; JACOMINE, P. K. T.; ANJOS, L. H. C.; OLIVEIRA, V. A.; LUMBRERAS, J. F.; COELHO, M. R.; ALMEIDA, J. A.; ARAUJO FILHO, J. C.; OLIVEIRA, J. B.; CUNHA, T. J. F. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. 5ª ed. rev. e ampl. Brasília, DF: Embrapa Solos, 2018, 353p. https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1094003/sistema-brasileiro-de-classificacao-de-solos

SCHAETZL, R.; ANDERSON, S. Soil: Genesis and Geomorphology. 1st ed. New York: Cambridge University Press, 2005, 817p.

SILVA NETO, L. F. Pedogênese e matéria orgânica de solos hidromórficos da região metropolitana de Porto Alegre. 105p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/26878/000761450.pdf

VIDAL-TORRADO, P.; LEPSH, I. F.; CASTRO, S. S. Conceitos e aplicações das relações pedologia-geomorfologia em regiões tropicais úmidas. Tópicos em Ciência do Solo. Viçosa, MG: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, v. 4. p. 145-192, 2005. https://www.academia.edu/42999220/Conceitos_e_Aplicacoes_Das_Relacoes_Pedologia_Geomorfologia_Em_Regioes_Tropicais_Umidas_Topicos_em_Ciencia_do_Solo

VIDAL-TORRADO, P.; LEPSH, I. F.; CASTRO, S. S.; COOPER, M. Pedogênese em uma sequência latossolo–podzólico na borda de um platô na depressão periférica paulista. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 23, n. 4, p. 909-921, 1999. https://doi.org/10.1590/S0100-06831999000400018

VIEIRA, L. S. Manual da Ciência do Solo: com ênfase aos solos tropicais. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Ceres, p. 299-300, 1988.

ZAPATA HERNÀNDEZ, R. D. Los Procesos Químicos del Suelo. Medellín: Escuela de Geociencias, Facultad de Ciencias, Universidad Nacional de Colombia, 2022, 817p. https://repositorio.unal.edu.co/handle/unal/3207

 

 

 

Recebido em 20 de dezembro de 2023

Retornado para ajustes em 16 de maio de 2024

Recebido com ajustes em 20 de maio de 2024

Aceito em 2 de dezembro de 2024

The post Diferenciação textural – lessivagem, elutriação e ferrólise first appeared on Revista Agrária Acadêmica.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 64